Breves comentários sobre a Cachaça e sua capacidade exportável

O reconhecimento do Brasil a nível mundial, dentre outros, é de sua capacidade e vocação para exportação agrícola e agropecuária, tornando-se o maior produtor e exportador de café do mundo[1], mas apesar de ser o maior exportador de café do mundo, segundo o Comexstat[2] o principal produto exportado pelo brasil é a soja, em valor FOB, e entre os principais produtos e mais exportados estão o farelo de soja, milho e “demais produtos manufaturados”.

Ocorre que o produto in natura, ou melhor dizendo os produtos básicos, que não passaram por nenhum processo de transformação ou industrialização, possui um valor agregado muito menor em comparação com um produto que passou por um processo de industrialização, transformação, manufatura ou criação de valor através da marca, atendimento, dentre outras formas de se agregar valor a uma mercadoria ou serviço.

A cachaça por sua própria natureza já passa por um processo de transformação, devendo seguir duros processos de controle de qualidade, quantidade e produção para a garantia de um produto seguro e de qualidade, atualmente pode-se perceber a evolução na produção da cachaça, através de métodos de maturação em barris especiais por exemplo o que confere sabores, aromas e coloração específicos, o que torna uma bebida diferenciada e complexa.

No caso do estudo em questão, a cachaça ganhou muito espaço no mercado nacional, segundo o jornal G1[3] com dados do Euromonitor, em estudo de 2018, a cachaça é a segunda bebida mais consumida no brasil perdendo somente para a cerveja. Esse aumento foi alavancado principalmente pelo processo de gourmetização, com a regulamentação e certificação da cachaça, que deve ser produzida de acordo com Regulamento de Avaliação da Conformidade da Cachaça (RAC)[4][5], e com a identificação geográfica da cachaça como um produto único e exclusivamente produzido no brasil, essa bebida consegue se consagrar entre as principais bebidas alcoólicas produzidas ao redor do mundo, como o rum, whiskey, tequila e demais bebidas.

Entretanto sua exportação ainda é tímida e apesar do pais possuir capacidade produtiva e a cachaça possuir qualidade “exportável” frente as bebidas alcoólicas já consolidadas.

 

2 DOS CUIDADOS NA EXPORTAÇÃO DA CACHAÇA

2.1       ESPECIFICIDADES DA CACHAÇA

Primordialmente é preciso entender a diferença dos termos que parecem similares e muitas vezes são chamados da mesma forma, mas possuem grandes diferenças que precisam ser valorizadas, nesse sentido a revista Super Interessante[6] fez uma matéria que explica de forma clara e objetiva a diferença entre aguardente, cachaça e pinga:

Apesar de poderem se referir à mesma bebida, as 3 palavras não são sinônimas. Aguardente é o nome de qualquer bebida obtida a partir da fermentação de vegetais doces. Já cachaça é o nome da aguardente de cana-de-açúcar. Segundo Maria das Graças Cardoso, professora do único curso de pós-graduação em tecnologia da cachaça no país, o nome foi criado no Brasil, no século 16, época dos grandes engenhos. Para o Ministério da Agricultura, a denominação é típica e exclusiva da aguardente de cana-de-açúcar produzida aqui com graduação alcoólica de 38% a 48%, a 20 0C. Pela lei brasileira, há até diferenças entre cachaça e aguardente de cana, que pode ter entre 38% e 54% de graduação alcoólica. Assim, toda cachaça é uma aguardente, mas nem toda aguardente é cachaça.

Já pinga é o nome vulgar da cachaça. Apesar de ninguém ter certeza da sua origem, a história mais aceita diz que a bebida ganhou o apelido dos escravos encarregados de um dos processos finais da produção, a destilação. Quando ferviam o caldo da cana-de-açúcar nos engenhos, o vapor condensava no teto e pingava sobre eles.

Um ponto importante e necessário ao saber a diferenciação na nomenclatura, que inclusive é digno de indignação, e a sua devida classificação fiscal, na verdade com a falta da sua classificação tanto no Sistema Harmonizado (SH) quanto na Nomeclatura Comum do Mercosul (NCM) exclusivamente para a cachaça, apesar de sua representatividade para o comércio brasileiro e seu peso histórico a mesma não possui um subitem próprio, restando classificada atualmente junto do Rum na NCM 2208.40.00, contudo é preciso estar atento na classificação quanto as posições tarifarias na exportação, principalmente para os Estados Unidos e União Européia uma vez que podem sofrer algumas alterações no entendimento quanto ao enquadramento.

A discussão quanto a um subitem especifico para cachaça ocorreu, basicamente pelo medo do Brasil em tornar o produto demasiadamente genérico e não conseguir a configuração da cachaça como aguardente produzida no brasil, contudo agora com o reconhecimento da Cachaça como Identificação Geográfica (IG) da aguardente produzida no Brasil não existe mais dúvidas e nem como comparar as similaridades dos processos produtivos uma vez que a identificação geográfica da produção delimitará o produto como sendo cachaça, não somente uma “outra aguardente”, de forma a merecer um espaço especifico no SH e NCM.

A criação de um subitem especifico da cachaça certamente aumentará o reconhecimento internacional do produto, facilitará o controle e estatística e sem qualquer sombra de dúvidas aumentará o valor agregado do mesmo por trazer a certeza de tratar-se de um produto Brasileiro com um peso histórico incomensurável.

 

2.2 DOS RÓTULOS E EMBALAGENS PARA EXPORTAÇÃO

Espera-se que um dos grandes entraves exportação de um produto é a sua adequação de rótulos e embalagens, o que demanda estudo e gastos extras uma vez que é preciso seguir regras especificas e deve-se tomar cuidado para que na unitização e estufagem da carga se evite perdas e avarias, contudo tal entrave pode ser mitigado ou até mesmo excluído.

No planejamento de exportação é preciso estar atento ainda a fiscalização quanto a utilização de madeira na confecção de embalagens, suportes ou peças de madeira levando em consideração a Instrução Normativa nº 32/2015 do Ministério de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que estabelece em seu Art. 1º:

Art. 1º Ficam estabelecidos os procedimentos de fiscalização e certificação fitossanitária de embalagens, suportes ou peças de madeira, em bruto, que serão utilizadas como material para confecção de embalagens e suportes, destinados ao acondicionamento de mercadorias importadas ou exportadas pelo Brasil.

Por outro lado, em seu art. 4º a mesma IN nº 32 traz um rol de exclusões por serem considerados de risco baixo, quais sejam:

Art. 4º São considerados de risco baixo e, portanto, excluídos das disposições desta Instrução Normativa:

I – embalagens e suportes de madeira feitos totalmente com madeira de espessura menor ou igual a seis milímetros;

II – embalagens e suportes de madeira feitos inteiramente de madeira processada, tais como compensados, aglomerados, chapas de lascas de madeira e laminados de madeira, produzidos utilizando cola, calor, pressão ou uma combinação desses;

III – barris para vinho e bebidas alcóolicas, que foram aquecidos durante a fabricação;

IV – caixas de presente para vinhos, charutos e outros produtos básicos feitas de madeira processada ou manufaturada de tal maneira que as tornem incapazes de veicular pragas;

V – serragem, cavacos, maravalha, lascas de madeira e lã de madeira, quando utilizados como embalagem ou suporte; e

VI – componentes de madeira permanentemente acoplados a veículos de carga e contêineres utilizados para transporte de mercadorias.

Quanto a rotulagem e marcação, ao se preparar um produto para exportação tem-se a vantagem de não precisar de seguir todas as regras comerciais de rotulagem do Brasil, desde que atendidos a certos requisitos.

Os rótulos das bebidas que possuem o fim especifico de exportação, estão dispensados do cumprimento da grande maioria da legislação Brasileira, devendo indicar quase que unicamente a origem brasileira e o nome do industrial ou exportador conforme artigo 274 e 275 do Regulamento de IPI:

 

Origem Brasileira

Art. 274.  A expressão “Indústria Brasileira” será inscrita com destaque e em caracteres bem visíveis (Lei nº 4.502, de 1964, art. 43 , e Decreto-Lei n 1.593, de 1977, art. 30).

Parágrafo único.  A exigência poderá ser dispensada da rotulagem ou marcação das bebidas alcoólicas do Capítulo 22 da TIPI , importadas em recipientes de capacidade superior a um litro e que sejam reacondicionadas no Brasil, no mesmo estado ou após redução do seu teor alcoólico, bem como de outros produtos importados a granel e reacondicionados no País, atendidas às condições estabelecidas pelo Ministro de Estado da Fazenda (Decreto-Lei nº 1.593, de 1977, art. 31).

Art. 275.  Na marcação dos produtos e dos volumes que os contenham, destinados à exportação, serão declarados a origem brasileira e o nome do industrial ou exportador (Lei nº 4.557, de 10 de dezembro de 1964, art. 1º).

Os produtos do Capítulo 22 da TIPI , destinados à exportação, por via terrestre, fluvial ou lacustre, devem conter, em caracteres bem visíveis, por impressão tipográfica no rótulo ou por meio de etiqueta, em cada recipiente, bem como nas embalagens que os contenham, a expressão “Somente para exportação – proibida a venda no Brasil”.

Em casos especiais, as indicações previstas no caput poderão ser dispensadas, no todo ou em parte, ou adaptadas, de conformidade com as normas que forem expedidas pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, às exigências do mercado importador estrangeiro e à segurança do produto (Lei nº 4.502, de 1964, art. 43, § 5º, Lei n 6.137, de 7 de novembro de 1974, art. 1 ).

Da mesma forma está dispensada a utilização do idioma nacional para os produtos destinados a exportação, conforme dispõe o paragrafo único do art. 276:

Uso do Idioma Nacional

Art. 276.  A rotulagem ou marcação dos produtos industrializados no País será feita no idioma nacional, excetuados os nomes dos produtos e outras expressões que não tenham correspondência em português, e a respectiva marca, se estiver registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Lei nº 4.502, de 1964, art. 44)

Parágrafo único.  A disposição do caput , sem prejuízo da ressalva do § 2 do art. 275, não se aplica aos produtos especificamente destinados à exportação para o exterior, cuja rotulagem ou marcação poderá ser adaptada às exigências do mercado estrangeiro importador (Lei nº 4.502, de 1964, art. 44, § 1º, Decreto-Lei n 1.118, de 10 de agosto de 1970, art. 1 . (grifo nosso)

Em suma, o exportador e/ou o produtor não deve ficar preso ao medo da exportação por conta da alteração de embalagem, apesar de ser um ponto que merece atenção tendo em vista que o erro pode impedir a entrada da mercadoria no pais importador, a adequação da rotulagem e embalagem é facilmente realizada através de uma comunicação clara quanto as necessidades do importador, uma vez que, basicamente, o exportador precisará atender somente as especificidades de volume, recipiente e rotulagem do pais de destino.

 

3 CONCLUSÃO

                   Neste trabalho abordamos a capacidade e algumas particularidades da exportação da cachaça. Com o reconhecimento da indicação geográfica, tornando-se um produto unicamente brasileiro, e somado a isso com processo recente de gourmetização da bebida fica evidente que sua exportação está aquém de sua qualidade e capacidade, de forma que a cachaça possui uma margem para aumento de forma exponencial, sem muitos entraves para a exportação.

[1] https://g1.globo.com/economia/agronegocios/agro-a-industria-riqueza-do-brasil/noticia/2020/09/16/brasil-e-o-maior-produtor-e-exportador-de-cafe-do-mundo.ghtml

[2] http://comexstat.mdic.gov.br/pt/home

[3] https://g1.globo.com/economia/noticia/brasil-e-o-10-maior-mercado-de-vodca-a-bebida-anfitria-da-copa.ghtml

[4] http://www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC001497.pdf

[5] http://www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC000955.pdf

[6] https://super.abril.com.br/saude/qual-a-diferenca-entre-aguardente-cachaca-e-pinga/